O dia começou como todos os outros desta jornada: um friozinho suportável, mas que exigia blusa e jaqueta, poucas nuvens no céu. Peguei minha mochila, coloquei nas costas, fiz os
ajustes necessários e estava pronto para caminhar. Na mochila, algumas meias penduradas para secar, pois ainda ficaram úmidas apesar de terem passado a noite no varal improvisado no beliche do albergue. Junto com as meias, as botas da minha mãe, que decidiu não usá-las mais depois que comprou um tênis. Eu preferi esquecer o desapego e carrega-las para o caso de mudar o tempo e ela precisar. Ou seja, minha mochila mais parecia um varal, como é comum os peregrinos fazerem no Caminho de Santiago.
E assim começamos a caminhada. Minha mãe, com 77 anos, indo num bom ritmo, como a maioria dos peregrinos. Primeiro Caminho dela, ia desfrutando do caminho, vendo tudo, observando cada detalhe, percebendo cada novidade. Bem como deveriam todos os peregrinos fazer. Enquanto isso o tempo ia melhorando, esquentando – ou se tornando menos frio.
E mesmo atrasados, pois saímos às 8:30 quando a maioria sai as 6:30 para não pegar o sol forte, vem minha mãe aproveitando ao máximo o momento, sem preocupação com horário, com o sol, ou com qualquer coisa. Um verdadeiro desapego. Ainda mais que era o penúltimo dia antes de chegar em Santiago de Compostela, e em Pedroso já haviamos reservado um lugar para pernoitar.
A cada 10 passos, lá estava ela tirando foto de algo ou parando para observar a paisagem. Já tinha tirado tanta fotografia, de tantas flores, que eu já estava acreditando que ela estava fazendo algum tipo de estudo de botânica. Via algo diferente: foto. Via um senhor fazendo o Caminho de muletas, foto. Via um par de tênis no lixo, foto. Via dois coelhos conversando em português, foto. Como se adiantasse! Foto não tem som…
Enquanto isso eu ia andando, sempre na frente, aproveitando do meu jeito. E de vez quando parava para esperá-la, não poderia ficar muito distante para não nos perdermos um do outro. Como eu explicaria para os meus irmãos ter perdido a nossa mãe no Caminho de Santiago? E também, caso ela precisasse de algo eu estaria ali perto.
E assim fomos, eu na frente e ela lá atrás, achando coisas para fotografar. Então ela viu algo que parecia uma bota no meio do caminho. Uma como muitas outras, porém esta estava bem no meio do caminho, não em cima de alguma pedra ou marcador. Então: foto. A 20 metros, a 15 metros… Bem de perto. E logo pensa “isso que é desapego, deixar uma bota tão nova no caminho…”. E procurando algum sinal divino, daqueles que só tem no Caminho de Santiago, pensa “… E bem parecida com a minha bota, que interessante!”.
Mais uns passos e ouço alguns gritos lá de trás: “CLAUDIO!! CLAUDIO!! MINHA BOTA CAIU DA TUA MOCHILA!!”
OBS: Nunca deixe seus pertences no caminho. Há lugares apropriados nos albergues para isso. Cada vez mais vemos botas, roupas e lixo jogados no caminho.